Perdida. Assim ela se sentiu, como a bolsa que ficou pra trás em algum recanto do caminho e não mais foi encontrada. Roubada. Tantas coisas vêm lhe sendo tomadas que já não se surpreende com a indefectível sensação de vazio inerente a perda. Não se desespera. Tranquilamente encara o destino no espelho, procurando encontrar a lição no erro, escondida entre entrelinhas certas e escritas tortas. Sinais.
As chaves que lhe abrem portas e caminhos estão por hora perdidas. Inalcançáveis. Subtraída em seu direito de ir e vir sente-se em uma gaiola. Trancada. Cercada pelas grades duras e frias das neuras que a aprisionam, lista mentalmente as atitudes que precisam ser tomadas, movendo-se quase que nada em direção a elas. Procrastina.
O celular, ícone de comunicação nesse mundo pelo qual transita incessantemente, deixa em seu rastro um vácuo na agenda. Isolada. Sem contatos de imediato perde a conexão com as pessoas que lhe rodeiam. Desconectada. Ainda que não admita, intimamente reconhece o alívio de não ouvi-lo tocar. Intocável.
Os documentos, que comprovam sua identidade e seu direito à propriedade, levaram consigo as escassas notas coloridas que ela escondera de si mesma. Foram-se. Ao menos ainda está com seu cartão. Ilusão. Ínfimo pedaço de plástico que nessa sociedade alicerçada sobre valores de posse e consumo é o passaporte para a solução de todas as suas perdas. Crédito.
Naquela noite os anjos estavam distraidos. Talvez tenham mesmo cochilado, sem forças pra acompanhar o ritmo frenético de um típico dia de verão carioca. Na madrugada em que até os amigos se esqueceram dela, um desconhecido a ajudou. Sozinha, sem nada, se viu observando de perto as duas faces do enigma humanidade: quanta sujeira e solidariedade podem ser encontradas em uma mesma noite, sob um teto qualquer da Lapa.