31 de agosto de 2009

Migalhas


Não me alimentarei de migalhas
como um pássaro faminto
que busca seu pão.

Não cantarei na janela
palavras suaves
de amor ou perdão.

Não derramarei lágrimas
por demais preciosas
para perdê-las em vão.

Não perderei nenhum segundo
tentando entender
o que não possui explicação.

Apenas seguirei meu caminho...

Mantenho o passo firme do guerreiro
que conhece a batalha que o espera.
E o sorriso sereno da criança
que ignora os perigos que a espreitam.

Te encontro na próxima esquina.

27 de agosto de 2009

Semente.




O amor quase, ou impossível,
é terra fértil.
Onde semeio palavras
e colho poesia.

                                         Sinto uma fome insaciável...
                                         Por isso o alimento,
                                         ainda que me devore.




22 de agosto de 2009

Urubus.



Os urubus, negros como a noite,
planam contrastando ao céu azul da tarde,
numa coreografia espiralada que muito me lembra
o magnífico balé de suas primas gaivotas...
...
No entanto não dançam, como elas,
para saudar o espetáculo do sol próximo ao horizonte
despedindo-se nos últimos momentos de cada dia
ou realizando o milagre da ressureição na manhã seguinte.
...
Desconstruindo a banalidade previsível da lógica,
eles agradecem à vida
realizando uma homenagem quase mística
ao corpo putrefato que lhes servirá de alimento.



17 de agosto de 2009

Em caminho II.


Nunca se sentira tão só. As elaboradas certezas, construídas arduamente ao longo do caminho, desmanchavam-se rapidamente entre seus dedos, como um castelo de areia lambido pelo mar. Projetos? Planos? Distantes e irreais como o canto de uma sereia bela e sedutora. Fazem parte do cenário insano e delirante de sua mente febril, onde a lógica se inverte para moldar-se ao seu bel-prazer.

Quem sou? Onde estou? Para onde vou? Percebeu-se repetindo sem cessar perguntas que ecoam através dos tempos, confundindo-se com a própria história da humanidade. Muitos sábios e filósofos já haviam feito esse questionamento antes dela, então por que acreditava que seria a primeira a encontrar uma resposta? Mesmo a si própria soavam arrogantes suas tolas expectativas, mas ainda não conhecera uma forma de ser diferente.

Horas intermináveis passaram voando em sua inércia doentia. O mundo parecia parado. Ou seria o seu mundo que estava parado? De sua janela via a vida correndo normalmente na monótona e entediante rotina das massas. A vizinha prepara o almoço. O jardineiro poda as plantas. Os carros continuam a passar na estrada. Como o mundo consegue continuar girando ignorando a pungência de sua dor?

Em vão tenta reunir seus cacos. Pedaços do passado, que já não se encaixam em lugar nenhum, surgem desafiando a lógica de sua trajetória. Caixas e caixas esvazia, parecendo procurar uma parte de si mesma que já não encontra em lugar algum. Sente-se como uma dessas caixas, vazia. Ironicamente, sente em seus ombros todo o peso da bagagem acumulada ao longo dos anos. E medo. Carrega consigo seus cadáveres?

Cai em si ao ruir de suas estruturas, construídas sobre o falso alicerce das certezas moldadas por ideais inatingíveis. Desmorona.

Em caminho.



Lá estava ela novamente. Cara a cara com o asfalto que tanto tentara evitar nos últimos dias. Atravessando a ponte deixou pra trás a Cidade Maravilhosa e o seu caótico trânsito urbano, que até pouco tempo lhe causava uma fobia incontrolável. O amor pela estrada aflora, reafirmando o seu gosto inato pela liberdade. Ou seria o eterno carma de mudanças incessantes herdado da bisavó cigana?

Viu-se sem destino. Mas bem sabia que, se observasse com um pouco mais de cuidado, poderia enxergas os multiplos destinos ofuscando-se mutuamente no horizonte. Tudo é apenas uma questão de escolha. Ou não? Todos os caminhos levam a romA? Talvez. Sentia na pele toda a adrenalina de um ciclo que se encerra, deixando atrás de sí o vazio criativo onde nascem todas as possibilidades.

É possível percorrer dois caminhos paralelos de uma só vez? Desafiando as leis da física, ela acredita que sim. E segue ensandecida tentando ocupar dois lugares no espaço ao mesmo tempo. Agora. Ou qualquer coisa perto disso. Deseja no seu íntimo que os caminho confluam harmoniosamente, tornando-se um só. Mas e se eles sse abrirem num ângulo agudo e se tornarem tão distantes que suas pernas já não possam alcançá-los, que farás?

Sem respostas permite que a dúvida rasgue-lhe ao meio, transformando-a em duas metades inertes que se arrastam dentro do louco furacão que se move todos os dias.

12 de agosto de 2009

Em Cantos


A noite começou sem promessas. O ar quase morno denunciava o declínio vagaroso do inverno. A lua, já não tão cheia, envolvia com sua luz tênue os personagens desse romance da vida. Entre bons amigos e quase desconhecidos ela sentia-se livre para simplesmente ser. Ele era um quase conhecido. Encharcados de música e cachaça os dois atravessaram a noite, fazendo da vida uma festa que não conhece o dia seguinte. Vocês se falam como se já se conhecessem há muito tempo, disse um amigo. Nenhum dos dois discordou, inebriados que estavam pela mesma sensação. Ela fingia, para sí mesma, não perceber. Ele percebia e não fingiu.

Apolo ou Dionísio? A eterna dúvida pairava em seus pensamentos. Entremeada em diversos aspectos de sua vida, sobrepunha-se ao que de fato sentia. Tem sentido? A resposta já estava dada, mesmo que ainda não a reconhecesse. Mais que uma tendência, revelou-se a real necessidade. Dionísio é muito mais homem, muito mais próximo de suas incoerências e contradições do que a eterna perfeição Apolínea. Então já ignorando qualquer outra possibilidade, como se nunca houvesse existido, mergulhou cegamente rumo ao desconhecido. Cantava para aliviar os males e dar voz a vida que urgia dentro dela.

O contato surgiu como se sempre houvesse sido, entre corpos que talvez nunca cheguem a se pertencer. A não comunicação confundiu os sentimentos que mal puderam aflorar. Duplo vínculo, diria a terapeuta. Teria ela se confundido? Ou a confusão pertencia a ele? Já não importava. Abraçados como amantes que não se tornaram, esperavam o sono que se recusava a vir. Aos poucos uma luz de alerta se acendeu dentro dela e todas as contradições começaram a fazer sentido. Recuou.

Levantou-se como que para por em ordem as idéias, antes que se misturassem aos sonhos embalados por Orfeu e pelos ecos do som que não queria cessar. Gaivotas flanavam no céu, bailando em saudação ao sol que nascia majestoso atrás do Pão de Açúcar, banhando de dourado as águas da baía, onde uma frota de barquinhos brancos flutuava indiferente às angústias que a habitam.

Enfim. Não estavam sós.




Menção Honrosa no Prêmio Literário Cidade de Porto Seguro, 2009.

Pré ocupar-se?

"A gente não precisa se preocupar só com a gente,


mas também com as outras pessoas.


Mas não só com as outras pessoas.


A gente precisa fazer os dois ao mesmo tempo."


Kaiuá Aymara, 6 anos


Maio de 2009

Em Cenas.



Eu abandonei a arte,
mas a arte não me abandona.
Em mim respira, vive,
arde, pulsa, SOMA!

Se a vida é um palco,
estou no camarim.
Encontrando personagens,
que ainda escondo em mim!

Ensaio.
Lá fora o espetáculo não para.
Paro.
Parem o mundo, eu quero subir!

Maquiagem, não uso,
dou cores a imaginação.
Figurino eu escolho.
Mudo em casa ocasião.

Da coxia ouço murmúrios.
...
Conseguirei me despir em cena?
Enceno?

Antes que subam as cortinas,
desesperadamente rasgo máscaras,
há muito entranhadas na pele.
Ex-pele!

Luzes!
Música!
Ação!

Eis o palco!
Ou picadeiro?
Qual é o número agora?
Não dá pra viver só de cenário...

Entro.
Olho.
Onde está a platéia?
Espero aplausos?

Eis que me deparo
com a minha imagem no espelho...
Frente a frente com a mediocridade.
Aos prantos, gargalho!

Meu maior crítico
mora dentro de mim.
Seria trágico,
se não fosse cômico!

MERDE!

06/08/09

A última despedida



Longas horas se passaram ...
Em sessões sucessivas, exercícios e leituras:
Há vida.

Muitos serão os dias, escuras noites. Hoje?
Qual é o tempo de uma despedida?
Partida.

Pré ocupo-me.
ela
Des culpo-me.
Desculpe.

Lágrimas que penso segurar rolam molhando o rosto.
Engulo seco. Não é a hora.
Adeus. Há Deus?
Até logo, volte sempre.
Sem clichês, por amor.

Entre estrangeiros, amigos, estranhamente sinto-me em casa.
Acaso? Há casa?
Balanço cegamente ...
Os olhos bem abertos no breu da noite enxergam as luzes da central.
Suas horas iluminadas, agora curtas. Curto.

Num relance o raior de um novo dia.
Cores e nuvens ofuscantes inebriam-me com uma infinidade de possibilidades.
MultipliCidades ...
Em Cantos? Espanto!

Aceno um adeus para janelas fechadas.
Escancarei todas as minhas portas?
Porto.
Sinto-me insegura. Me seguro.

Na feira livre percebo-me presa. Amarras.
Há Marras?
Fotografo com as pupilas dilatadas os retratos da cidade.
Saudade.

Brindemos.
Há última?
Santa saidera!

04/08/09