6 de março de 2010

Euforia



Acordaram cedo como era de costume, não queriam perder a hora. Vestiram as roupas que pareciam mais adequadas para a ocasião. Nenhum deles havia se preparado com antecedência, mas não fizeram feio no improviso. Apressadamente engoliram o café da manhã,  já se sentindo atrasados. Caminhando subiram a longa ladeira que os levaria a seu destino. Haviam outros subindo, como eles. Podiam lhes reconhecer pelas roupas e pela expressão estampada em suas faces.

Alguns surgiam em direção contrária,  corpos exauridos e vestes esfarrapadas demonstravam que voltavam do outro turno, mas ainda haviam vestígios daquela mesma expressão nos rostos já desfigurados. O burburinho num tom crescente como o morro que galgavam indicava a direção a ser seguida. O estrondo chegou até eles revelando a multidão ensandecida.

Como peregrinos desesperados chegando ao oásis prometido aceleraram os passos rumo a multidão que vinha em ondas.  Alegres marolas rebentando na praia, mar revolto às vésperas da ressaca, tsunami! Se viram envolvidos, perdendo o fôlego, quase afogados, tornando-se um com o todo. Seus movimentos já não lhes pertencia. Entregaram-se ao inevitável fluxo do oceano de corpos suados, sedentos, se afogando em cerveja que extravasavam águas há muito represadas. Criaturas inimagináveis circulavam pela correnteza, desafiando os limites da criatividade. Reis, princesas, palhaços, bailarinas, fadas, duendes, bruxas e vampiros,  ets e outros seres saltitantes não identificáveis desfilavam lado a lado representações arquetípicas das mais variadas facetas da personalidade. No meio deles perderam seu bêbado.

Seguiram os dois na inebriante euforia. Nada podia lhes roubar a alegria, tinham um ao outro. E ainda que por tantos passassem despercebidos, os mais atentos não conseguiam deixar de vê-los, estavam radiantes. Aonde iriam desse jeito? O que procuravam se pareciam já ter encontrado o que há de mais precioso na condição humana? Não se importavam com os olhares. Ela mal podia enxergar quem estava ao seu redor. Ele, ainda que visse, parecia não se abalar. Juntos continuaram. Se sentiam como uma gota na imensidão do mar.  Rufavam os tambores e o Carnaval explodia ao seu redor, como uma grande festa comemorando por eles. Parecia feita para eles. Então se beijaram e o mundo parou. Ela podia perceber os vultos se movimentando em câmera lenta ao seu redor, mas não os via. Seus olhos bem fechados contemplavam um mundo que pertencia somente aos dois. A música, embora ensurdecedora, soava distante. Estavam em outra dimensão. Os relógios desacelerando os ponteiros eternizaram o momento que durou poucos segundos. Somente eles existiam. Nada mais importa.